Quando, na década de 80, a teologia da prosperidade chegou ao Brasil,
ela veio como uma nova tese sobre a fé, prometia o céu aqui para o que tivesse
certo tipo de fé. As promessas eram as mais mirabolantes: garantia de saúde a
toda prova, riqueza, carros maravilhosos, salários altíssimos, posições de
liderança, prosperidade ampla, geral e irrestrita.
Lembro-me de, nessa época, ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa
teologia que, quem tivesse fé poderia, inclusive, negociar com Deus a data de
sua morte, afirmava que, na nova condição de fé, em que se encontrava, Deus
teria de negociar com ele a data de sua partida para mundo dos que aguardam a
ressurreição do corpo.
Estamos, há mais de vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a
grande pergunta sobre essa teologia seja: Como têm conseguido permanecer por
tanto tempo? A tentação é responder a questão com uma sonora declaração sobre a
veracidade desta proposição, ou seja, permanece porque é verdade, quem tem fé
tem tudo isso e muito mais. Entretanto, quando se faz uma pesquisa, por mais
elementar, o que se constata é que as promessas da teologia da prosperidade não
se cumpriram, e, de fato, nem o poderiam, quando as regras da exegese e da
hermenêutica são respeitadas, percebe-se: não há respaldo bíblico. Então qual a
razão para essa longevidade?
Em primeiro lugar, a vida longa se sustenta pela criatividade, os
pregadores dessa mensagem estão sempre se reinventando, vivem de promover
espetáculos ás custas da boa fé do povo. Mesmo os mais discretos estão sempre
expondo o povo, em alguns casos, quando mais simplório melhor, em outros,
quanto mais bonita, e note-se o feminino, melhor.
Além disso, é uma sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta
x, outro é tocar a trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x,
e, por aí vai. Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas
fluidificadas e de bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos
de massa, dirigidos por “pop stars” que tornam amadores os mais respeitados
animadores de auditório da TV brasileira.
Em segundo lugar, a vida longa se mantém pela penitência; os pregadores
dessa panacéia descobriram que o povo gosta de pagar pelos benefícios que
recebe, algo como “não dever nada a ninguém”, fruto da cultura de penitência
amplamente disseminada na igreja romana medieval, aliás, grande causadora da
reforma protestante. Tudo nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento
financeiro seja chamado de oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela
benção.
Deus foi transformado num gordo e avaro banqueiro que está pronto a
repartir as suas benesses para quem pagar bem, assim, o fiel é aquele que paga
e o faz pela fé; a oferta, nessas comunidades, é a única prova de fé que alguém
pode apresentar.
Na idade média, como até hoje, entre os romanos, Deus podia ser pago com
sacrifícios, tais como: carregar a cruz por um longo caminho num arremedo da
via “crucis”, ou subir de joelhos um número absurdo de degraus, ou, em último
caso, acender uma velinha qualquer, não é preciso dizer que a maioria escolhe a
vela. Mas, isso é no romanismo!
Quem quer prosperidade, cura, promoções, carrões e outros beneplácitos
similares tem de pagar em moeda corrente, afinal, dinheiro chama dinheiro, diz
a crença popular. E tem de pagar antes de receber e, se não receber não pode
reclamar, porque esse deus sabe o que faz e, se não liberou a bênção é porque
não recebeu o suficiente ou não encontrou a fé meritória. Esses pregadores têm
o consumidor ideal.
Em terceiro lugar são longevos porque justificam o pior do capitalismo,
embora, segundo Weber, o capitalismo seja fruto da ética protestante, (aliás, a
bem da verdade é preciso que se diga que o capitalismo descrito por Max Weber
em seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” não é, nem de
longe, o praticado hoje, que se sustenta no consumismo, enquanto aquele se erguia
da poupança.); a fé cristã, de modo geral, não se dá bem com a busca pela
riqueza como objetivo em si.
A chegada, porém, dessa teologia mudou o quadro, o pior do capital está,
finalmente, justificado, foi promovido de grilhão que manieta a fé em troféu da
mesma. Antes, o que se assenhoreava do capital tornava-se o avaro acumulador
egoísta, agora, nessa tese, é o protótipo do ser humano de fé. Antes, o que
corria atrás dos bens materiais era um mundano, hoje, para esses palradores, é
o que busca o cumprimento das promessas celestiais.
Juntamente com o capitalismo, essa mensagem justifica o individualismo,
a bênção é para o que tem fé, ela é inalienável e intransferível. Eu soube de
uma igreja dessas que, num rasgo de coerência, proibiu qualquer socorro social
na comunidade para não premiar os que não tem fé. Assim, quem tem fé tem tudo
quem não tem fé não tem nada.
Antes, ter fé em Cristo colocava o sujeito na estrada da solidariedade,
hoje, nesse tipo de pregação, o coloca no barranco da arrogância. Toda
“esperteza” está justificada e incentivada. Não é de estranhar que ética seja
um artigo em falta na vida e no “shopping center” de fé desses “ministros”.
Mas, o que isso tudo tem gerado, de verdade? Decepção, fragorosa
decepção é tudo o que está sobrando no frigir dos ovos. As bênçãos mirabolantes
não vieram porque Deus nunca as prometeu, e Deus não pode ser manipulado. O
sucesso e a riqueza que, porventura, vieram foram mais fruto de manobras
“espertalhonas”, para dizer o mínimo, do que resultado de fé.
Aliás, para muitos foi ficando claro que o que chamavam de fé, nada mais
era do que a ganância que cega; o antigo conto do vigário foi substituído pelo
conto do pastor. Gente houve que ficou doente, mas, escondeu; perdeu o emprego,
mas, mentiu; acreditou ter recebido a cura, encerrou o tratamento médico e
morreu. Um bocado de gente tentando salvar as aparências, tentando defender os
seus lideres de suas próprias mentiras e deslizes éticos e morais; um mundo
marcado pela esquizofrenia.
O individualismo acabou por gerar frieza, solidão e, principalmente,
perda de identidade, porque a gente só se torna em comunidade.
Tudo isso acontecendo enquanto muitos fiéis observavam o contraste entre
si e seus pastores, eles sendo alcançados pela perda de bens, pela angústia de
uma fé inoperante, pela perda de entes queridos que julgavam absolutamente
curados, e os pastores se enriquecendo, melhorando sensivelmente o padrão de
vida, adquirindo patrimônio digno de nota, sendo contados entre o “jet set”,
virando artistas de TV, tudo em nome de um evangelho que diziam ter de ser
pregado, e que as suas novas e portentosas posses avalizavam.
E onde estão estes decepcionados? E para onde estão indo os seus pares?
Muitos estão, literalmente, por aí, perderam aquela fé, mas não acharam a que
os apóstolos e profetas da escritura judaico-cristã anunciaram; ouviram o nome
Cristo, mas não o encontraram e pararam de procurar. Talvez, estejam perdidos
para evangelho; para sempre.
Outros, no meio de tudo isso, foram achados por Cristo, e estão
procurando pelo lugar onde ele se encontra. Para os primeiros não há muito que
fazer a não ser interceder diante do Eterno, para que se apiede dos que foram
vergonhosamente enganados; para os que estão a procura, entretanto, é preciso
desenvolver uma pastoral.
Eles não estão chegando como chegam os que estão em processo de
reconhecimento de Deus e do seu Cristo. Estão batendo às portas das
comunidades, que julgam sérias com a Bíblia, à procura de cura para a sua fé,
para a sua forma de ser crente, para a sua esperança de salvação, para a sua
falta de comunidade e para a sua confusão doutrinária.
Precisam, finalmente, ver a Jesus Cristo e a si mesmos; precisam, em
meio a tanta desinformação encontrar o ensino, em meio a tanto engano recuperar
a esperança. Necessitam de comunidade e de identidade, de abraço e de
paciência, de paz e de alento, de fraternidade e de exemplo, de doutrina e de
vida abundante.
Quem quer que há de recebê-los terá de preparar-se para tanto, mesmo porque,
ainda que certos da confusão a que foram expostos, a cultura que trazem é a
única que têm, e nos momentos de crise, de qualquer natureza, será a partir
desta que reagirão, até que o discipulado bíblico construa, com o tempo, uma
nova e saudável cultura.
Hoje, para além de tudo o que
encerra a sua missão, a Igreja tem de corrigir os erros que, em seu nome, e, em
muitos casos, sob a sua silenciosa conivência, foram e, ainda, estão sendo
cometidos.
http://ariovaldoramosblog.blogspot.com.br
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Minha opinião é que essa teologia da prosperidade é um cancer, e ainda destruirá muitas vidas.
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