Por Ruy Cavalcante

Inicio agora uma série de pequenos artigos apologéticos, em comemoração ao dia 31 de Outubro. Não, nesse dia não se comemora o dia das bruxas (pelo menos não para nós cristãos), mas o dia da Reforma Protestante, fato esse ignorado por boa parte das igrejas evangélicas, pois esta há muito deixou de ser protestante, pelo menos em sua maioria.

Os estudos não são uma novidade, este mesmo assunto pode ser encontrado exaustivamente em diversos outros blogs apologéticos, porém, como em minha terra não encontrei nenhum que trate do assunto de forma objetiva, resolvi escreve-los tendo como foco principal minha cidade, Rio Branco/AC, o que não significa que não tenha significado também para cristãos de todo o Brasil. Vamos lá então.

Para iniciar, nada melhor que um breve resumo histórico, não necessariamente doutrinário, sobre a onda do século no meio evangélico, a Teologia da Prosperidade.

Com o advento do neopentecostalismo, uma nova e extremamente atrativa interpretação do evangelho surgiu. Esta nova interpretação tem recebido vários nomes, porém nenhum esclarece tão bem sua perspectiva quanto “Teologia da Prosperidade”. Em suma, esta teologia desenvolve uma nova visão das Boas Novas do Evangelho, não mais que temos o perdão dos pecados e a reconciliação com Deus através de Jesus, mas que, através dele, podemos ter a solução de todos os nossos problemas além de viver com saúde e prosperidade. Sobre isso, Alan Pieratt[1] afirma em seu livro ‘O evangelho da Prosperidade’ que “esta mudança no conteúdo da esperança cristã, passando do porvir para o aqui e agora, tem consequências de tão grande alcance que o nome evangelho da prosperidade parece apropriado” (PIERATT, Alan B. O evangelho da prosperidade: análise e resposta. São Paulo: Edições Vida Nova, 1993, p. 9).

No Brasil essa nova perspectiva do evangelho encontrou grande aceitação, uma vez que sua atração em terras tupiniquins se deu justamente pela ausência de prosperidade enfrentada pela maioria do povo, especialmente entre os evangélicos.

É importante enfatizar que a teologia da prosperidade, como disse anteriormente, apresenta-se (ainda que de forma velada algumas vezes) como uma nova visão do Evangelho, o que por si só carrega a necessidade de ostensiva observação, uma vez que, em matéria de fé, poucas novidades são de fato melhorias para a cosmovisão cristã. Dessa maneira, a teologia da prosperidade têm recebido críticas constantes de teólogos e pastores renomados por todo o mundo, pois observam que, embora seus adeptos não neguem nenhuma das doutrinas básicas do cristianismo nem busquem novos fundamentos para fé que não seja Jesus Cristo, eles abandonam completamente, em suas interpretações, os padrões de interpretação bíblicos, históricos e reformados, trazendo à tona ‘verdades’ não permitidas pela própria bíblia, contraditórias ao seu contexto que muitas vezes só se sustentam através de experiências pessoais isoladas.

Assim, a base para a maioria das críticas à teologia da prosperidade se apoia no fato de esta não possuir sustentação e aprovação bíblicas para tal, condenando-a ao status de anátema[2].

Não se pode negar que o Evangelho dispõe de inúmeras promessas, donde a maior delas é a salvação em Cristo, e que Deus pode nos abençoar de várias maneiras, porém uma interpretação que defenda a ideia de que o crente em Jesus terá garantida prosperidade financeira, cura de todas as doenças e solução de todos os problemas de âmbito pessoal e profissional, se insurge contra as verdades históricas contidas na bíblia a respeito dos discípulos de Cristo, como no exemplo de Estevão, discípulo fiel cujo único crime foi anunciar Cristo e por isso fora apedrejado (Atos 5:57-60) ou naquilo que o Paulo descreve de si mesmo:

São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma — eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas.. (2 Coríntios 11:23-28, NVI)

Não fossem suficientes os testemunhos bíblicos, temos ainda os testemunhos históricos de milhares de cristãos mundo afora que, não obstante viverem dignamente, foram presos, torturados, queimados nas fogueiras da inquisição, perseguidos por nações inteiras, fato este que de acordo com o Ministério Missão Portas Abertas[3], continua acontecendo em diversos países do mundo.

Como podemos perceber, mesmo numa abordagem superficial, a teologia da prosperidade apresenta inúmeros pontos discutíveis e obscuros, não sustentados pelo Evangelho de Jesus Cristo, tampouco pelos relatos históricos da Igreja cristã. Tratarei mais sobre esse assunto e sobre as consequências da Teologia da Prosperidade e do movimento neopentecostal nos próximos artigos. Aguarde.




[1] Alan Pieratt, teólogo, Ph.D. em Ciências da Religião, professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, onde leciona as disciplinas de Hermenêutica e Teologia Contemporânea.
[2] Anátema era, na Grécia Antiga, uma oferenda posta no templo de uma deidade, constituída inicialmente por frutas ou animais e, posteriormente, por armas, estátuas, etc. No contexto bíblico toma para si o significado de maldito.
[3] Missão Portas Abertas, "Open Doors" é uma organização cristã interdenominacional dedicada a apoiar cristãos perseguidos em países onde o cristianismo é legalmente desencorajado ou reprimido. Portas Abertas abriu seu escritório local no Brasil em 1978.