Por Ruy Cavalcante
“E não vos conformeis com este mundo,
mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Rm 12:2)
Através
de sua Palavra, Deus nos ensina a ter um novo e diferente relacionamento com o
mundo. Porém este novo relacionamento vem sendo pouco compreendido por muitos
no decorrer dos anos. Alguns ensinam que “não ser amigo do mundo” (Tg 4:4)
significa que não devemos nos relacionar com as pessoas não cristãs deste
mundo, não devemos ter amizade nem qualquer tipo de relacionamento com os
pecadores sem Cristo. Pura ignorância. Jesus andou e se relacionou com
pecadores e Paulo, por sua vez, enterra totalmente esse argumento quando diz:
“Já lhes disse por carta que vocês não devem associar-se com pessoas imorais. Com isso não me refiro aos imorais deste mundo, nem aos avarentos, aos ladrões ou aos idólatras. Se assim fosse, vocês precisariam sair deste mundo. Mas agora estou lhes escrevendo que não devem associar-se com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral, avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês nem devem comer”. (1Co 5:9-11)
Não
me aprofundarei neste texto, ele é absolutamente claro para a ideia
apresentada.
Há
ainda quem faça uso das palavras de Paulo a Tito (Tt 1:15), e de textos
paralelos, para ensinar que tudo bem, desde que adaptemos as coisas do mundo,
tornando-os aceitáveis (leia-se ‘tornando-os gospeis’) podemos sim experimentar
os benefícios que o mundo oferece, típico ideal hedonista que enchem o corações
dos crentes atuais. O lema não é mais “abster-se” dos prazeres mundanos e sim “adapta-los”
para que possamos usufruí-los. Mas a palavra correta a nós continua sendo abstenham-se!
“Amados, insisto em que, como
estrangeiros e peregrinos no mundo, vocês se abstenham dos desejos carnais que
guerreiam contra a alma. Vivam entre os pagãos de maneira
exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem
as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção”. (1Pe 2:11-12)
Lembro-me
do refrão de uma canção que diz:
A graça da garça
A graça da garça
A arte de viver em meio a lama sem sujar
as vestes
(Música: A graça da garça – Grupo Estratagema
de Deus)
Eis o verdadeiro sentido
de nossa relação com o mundo, vivemos no mundo, nos relacionamos no mundo,
porém não praticamos as mesmas coisas que o mundo pratica, assim como uma
graciosa garça, que mesmo vivendo em lugares alagadiços, cheios de lama, mantém
sua plumagem perfeitamente limpa, lindamente branca.
Voltando ao texto de
Romanos 12, ficou mais fácil compreendê-lo, não é mesmo? A ideia é e sempre foi
que sejamos santos! Tal “proposta” foi dita na lei (Lv 18:3-4), ensinada pelos
profetas (Is 1:16), pelos salmistas (Sl 15), por Cristo (Mt 5:48) e finalmente
pelos apóstolos (Rm 12:2). Como diz John Stott, temos um “convite para
desenvolver uma contracultura cristã, para engajar-se sem comprometer-se[1]”, um convite para sermos
como a garça da canção.
Desta forma o verdadeiro
cristão é alguém radicalmente inconformado! Ele não se conforma com os rumos
que o mundo tomou, e por isso não aceita levar uma vida semelhante, lutando incansavelmente
para se assemelhar a Cristo, bem como para ajudar outros a fim de que sigam o
mesmo caminho de nosso Salvador.
Então, se o mundo ensina
o pluralismo, ao afirmar que todos os caminhos e religiões levam a Deus, nós
dizemos o contrário, que há um só caminho, e que este caminho não se trata de
uma religião, mas do Cristo que vive e Reina. Semelhantemente, quando o mundo
prega o materialismo, o cristão radical valoriza, em primeiro lugar, as coisas
do Reino de Deus e se mantém firma na fé, com ou sem bens, com ou sem
prosperidade, com ou sem acesso aos objetos de desejo anunciados na mídia
secular.
De maneira idêntica,
quando todos relativizam os valores éticos e morais, o pecado e os
relacionamentos, nós, como indivíduos inconformados, defendemos a pureza ensinada
por Cristo e por ela lutamos, a começar guerreando para que nós mesmos sejamos
santos. Ainda, quando o mundo prega o hedonismo,
nós dizemos não, não viveremos segundo o curso de nosso próprio coração, antes
faremos a vontade de Deus, praticando o que é prazeroso para Ele. Estes são
apenas alguns exemplos.
Esta atitude de
inconformismo, ensinada por Cristo quando nos ordena que neguemos a nós mesmos,
neguemos o desejo de seguir nos trilhos e nos apegos que o mundo tem por
valioso, de forma radical ao ponto de termos de encarar os sofrimentos
inevitáveis, a cruz inevitável por ser um cristão verdadeiro, nos torna alvo e
não parceiros do mundo. Insisto, não temos o direito de nos adaptar, devemos
nos abster.
O inconformismo cristão é
absolutamente o inverso do que a maioria dos grupos de cristãos “radicais” ensinam.
Na verdade o que eles vem praticando é uma brincadeira de muito mau gosto com o
Evangelho. Eles se organizam em grupos para fazer loucuras, fazem marchas,
festas raves gospeis, atos proféticos, adorações extravagantes e coisas
semelhantes a estas, chamando isso de uma atitude de servir a Deus de forma
radical. Quanta superficialidade, quanta ignorância.
Alguns se defendem
dizendo: Mas se estão ganhando almas, se a igreja está crescendo e os jovens
estão cada vez mais desejosos de “viver para Cristo”, o que importa?
Lamento informar, mas
crescimento não é marca de santidade, tampouco de aceitação de Deus. Não
esqueçam que a religião que mais tem crescido é o islã, e não o cristianismo, e
então eu pergunto: O islã é a vontade de Deus para seu povo?
Além disso, “viver para
Cristo” não é, nem de longe, ser crente, fazer coisas de crente, ou fazer “loucuras”
para Cristo. Ser Cristão é viver incansavelmente para fazer a vontade de Deus,
mesmo que ela não seja divertida, mesmo que ela nos leve a morte, como muitos
antes de nós.
Ser cristão radical é ser um
inconformado!
Referência Bibliográfica
STOTT, John. O discípulo Radical. Viçosa, MG: Ultimato, 2011.
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