Por Ruy Cavalcante

A falta de uma teologia bem estabelecida sobre princípios coesos e em harmonia com a bíblia, associada ao pragmatismo predominante no movimento Neopentecostal deixam as igrejas, influenciadas por ele, desprotegidas quanto aos perigos do sincretismo religioso[1].

Hoje, em Rio Branco, a forma mais comum pelo qual esse sincretismo acontece é, sem dúvidas, entre as igrejas da visão G12 (ou M12), com sua visível mistura de doutrinas judaicas com o universo cristão descrito tão claramente no Novo Testamento, em relação à doutrina dos apóstolos, que nada mais é que uma releitura das práticas judaicas já envelhecidas (Hb 8:13). Consideremos o que o autor de Hebreus narra a respeito do Novo Pacto em Cristo:

Se ele estivesse na terra, nem seria sumo sacerdote, visto que já existem aqueles que apresentam as ofertas prescritas pela lei. Eles servem num santuário que é cópia e sombra daquele que está nos céus, já que Moisés foi avisado quando estava para construir o tabernáculo: "Tenha o cuidado de fazer tudo segundo o modelo que lhe foi mostrado no monte". Agora, porém, o ministério que Jesus recebeu é superior ao deles, assim como também a aliança da qual ele é mediador é superior à antiga, sendo baseada em promessas superiores. (Hebreus 8:4-6, NVI, grifo meu).

E ainda:

A Lei traz apenas uma sombra dos benefícios que hão de vir, e não a realidade dos mesmos. Por isso ela nunca consegue, mediante os mesmos sacrifícios repetidos ano após ano, aperfeiçoar os que se aproximam para adorar. Se pudesse fazê-lo, não deixariam de ser oferecidos? Pois os adoradores, tendo sido purificados uma vez por todas, não mais se sentiriam culpados de seus pecados. Contudo, esses sacrifícios são uma recordação anual dos pecados, pois é impossível que o sangue de touros e bodes tire pecados (Hebreus 10:1-4, NVI, grifo meu).

Dessa forma, a lei mosaica, base primordial da religião judaica, trata-se de algo limitado, que simplesmente reflete uma aliança superior, a aliança com Cristo, que por sua vez é a base de sustentação de todo o cristianismo. A esta afirmação corroboram não apenas os aludidos textos, quanto toda a doutrina neotestamentária, resgatada pela teologia reformada e pelos pais da fé cristã.

Entretanto é comum vermos em Rio Branco o povo de Deus confeccionando arcas[2], às quais atribuem poderes místicos capazes de “encher de glória” quem as toca. Vemos também a comemoração de festas judaicas que, na tradição israelense, apenas apontavam para o Cristo, até que ele viesse, fato este já ocorrido dois mil anos atrás. Além disso, há um resgate de vestes sacerdotais judaicas e referencias a inúmeros símbolos da nação de Israel que, como toda a Lei, sempre eram tipos[3] de Cristo ou das verdadeiras promessas conquistadas na cruz. Outro exemplo clássico, observado em boa parte das igrejas neopentecostais de Rio Branco é o uso do shofar[4], que até o advento do neopentecostalismo era totalmente alheio ao cristianismo, sendo absolutamente ignorado no novo testamento cristão, salvo quando se refere ao toque das trombetas no tempo do fim (Mateus 24:31; I Coríntios 15:52; dentre outros). De certa forma, o povo honra a Deus com os lábios, mas nega-o com suas obras, pois ensinam e praticam doutrinas que invalidam a obra de Jesus (Mateus 15:8-9), por puro pragmatismo.

Infelizmente, o “privilégio” de assimilar doutrinas e rituais de outras religiões não está limitado às igrejas da visão, pois assim como no restante do Brasil, em Rio Branco somos bombardeados diuturnamente com rituais outrora restritos às seitas de origem africana, e isso dentro dos templos.

Como não lembrar-se das entrevistas com demônios e dos objetos consagrados, que adquirem poderes espirituais para realizar curas e exorcismos, realizados diariamente nos diversos templos da IURD e/ou Mundial, práticas típicas dos terreiros da Umbanda e Candomblé[5]? Ou ainda das figuras papais (líderes infalíveis e inquestionáveis) presentes na grande maioria das igrejas Neopentecostais, típicas do catolicismo romano?

A verdade é que esse movimento gerou na comunidade evangélica rio-branquense (e brasileira) uma cultura cristã que se adapta à diversidade da população acreana, formada pela miscigenação de diversas etnias indígenas e povos imigrantes que aqui chegaram a partir do século XIX[6], de maneira que a comunidade local sinta-se atraída a tornar-se evangélica, sem a necessidade de negar antigas práticas religiosas tradicionais às suas culturas de origem, práticas estas que passam a ser camufladas com uma espécie de “capa cristã”, mas que na verdade continuam sendo doutrinas espúrias, ainda que travestidas de santidade.


[1] Na história das religiões, o sincretismo é uma fusão de concepções religiosas diferentes, ou, a influência exercida por uma religião nas práticas de uma outra.
[2] A Arca da Aliança é descrita na Bíblia como o objeto em que as tábuas dos Dez mandamentos e outros objetos sagrados teriam sido guardadas, como também veículo de comunicação entre Deus e seu povo escolhido. 
[3] Tipologia é o estudo das figuras e símbolos da Bíblia, com os quais Deus procura mostrar, por meio de coisas terrestres as coisas espirituais. Dessa forma encontramos no Antigo Testamento Deus falando das glórias celestiais através de coisas terrestres, ou seja, TIPOS que revelam o ANTI-TIPO.
[4] Shofar é um antigo instrumento se sopro israelita, a qual os judeus atribuem poderes espirituais e proféticos.
[5] BIANCHETTI, Thiago Angelin Lemos.  Elementos de Rituais Afro-brasileiros sob a Ótica de Resignificação Iurdiana: uma Etnografia dos Exus na Umbanda e na Igreja Universal do Reino de Deus. Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, Maceió-AL, 2008.
[6] PIMENTA, José. A “invenção” do Acre como exemplo de brasilidade. Artigo publicado na Revista Linguagens Amazônicas, n°2, pp. 27-44, 2003.