Por Ruy Cavalcante

"Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia". (Mt 5:7)

Ultimamente tenho vivido alguns conflitos relacionados a este tema, a maioria deles internos. Mas considerando tudo o que sinto, ouço, vejo e leio a respeito, estou chegando à conclusão de que tem realmente faltado esse tipo de misericórdia no mundo. Porém isso é o que se pode esperar do mundo. A tragédia está no fato de que tal misericórdia tem sido uma grave carência também da igreja.

Entre nós, evangélicos, também anda faltando misericórdia. Quero aproveitar o pensamento de Martyn Lloyd Jones para essa breve reflexão. 

Sobre este texto, Lloyd Jones afirma que “Esta bem-aventurança particular deriva-se de todas as que a antecedem, e é especialmente notório que ela tem uma conexão lógica, bem aguda e definida, com a bem-aventurança imediatamente anterior, que diz: ‘Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos’.” (JONES, 1999, p. 87). 

Ser misericordioso é, portanto, uma consequência direta de ser humilde de espírito, manso e ter sede de justiça. Aquele que passou pelo processo de se tornar o que afirmam as três primeiras bem-aventuranças será, inevitavelmente, misericordioso. Aqui misericórdia é mais do que reconhecer a miséria humana, é reconhecê-la em nós mesmos e assim entender que não somos melhores que o pior dos transgressores. Esse é um dos fundamentos da misericórdia cristã.

Ao comentar sobre isso, Lloyd faz ainda uma analogia com a nossa reação contra quem nos causou grande dano (vide o dano que causaram em Cristo e sua reação a seus agressores).

Ele afirma: “você saber se é uma pessoa misericordiosa ou não consiste em considerar como você está se sentindo a respeito daquele indivíduo que o ofendeu. Haverá você de dizer: ‘Bem, agora exercerei os meus direitos quanto a isso. Quero cumprir a lei à risca. Essa pessoa transgrediu contra mim. Pois bem, sei que é chegada a minha oportunidade de vingar-me’. Essa atitude formaria a própria antítese da atitude misericordiosa. Tal transgressor está à sua mercê. Em você manifesta-se, porventura, um espírito vingativo, ou antes há em você a atitude de piedade e tristeza (pela miséria que há nele), ou, se você assim preferir, um espírito de gentileza para com o seu adversário, agora aflito?” (JONES, 1999, p. 91).

Ou seja, nosso desejo de justiça é legítimo, mas não pode nos fazer ignorar que a miséria humana se estende a todos nós. Portanto a misericórdia é uma necessidade humana, nossa, e de nosso inimigo também. Infelizmente a aparência sugere que o desejo de muitos cristãos hoje é de misericórdia para si, porém juízo para os outros.

Reconheço que duro é esse discurso, mas eu concordo com ele, pois não é imitando o mal que se pode vencê-lo. Se lá fora não há misericórdia, eu venço tendo misericórdia; se lá fora não há perdão, eu venço perdoando, se lá fora não há amor, eu venço amando. Este é o caráter (quase perdido) daquele que segue a Cristo.

"Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem". (Rm 12:21)


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JONES, Martyn Lloyd. Estudos no sermão do monte. 4. ed. São José dos Campos: Editora Fiel, 1999.