Por Ruy Cavalcante
Atendendo a sugestão de minha irmã e amiga Eliana Oliveira (@elianacico), vou aproveitar esta última semana da campanha eleitoral para deixar minhas considerações (e impressões) sobre as eleições 2010, na perspectiva de um cristão preocupado com a essência do Evangelho de Cristo, não abrindo mão de um dos cinco pontos fundamentais do pensamento reformado, o “sola scriptura” (na verdade não abro mão de nenhum dos “cinco solas”). Tratarei de três pontos que considerei importantes (e preocupantes).
De início, o que parece estar bem claro na relação do povo evangélico com a política é uma inversão de valores cristãos no sentido de prioridades do Reino. Explico:
No princípio da era cristã, o padrão era o indivíduo abandonar tudo para seguir e servir a Deus. Exemplos claro disso são as conversões de Pedro, André, Tiago, João (Mt 4:18-22) e Paulo, este último tendo abandonado a política (Fp 3:5) para entregar-se totalmente a servidão (a Cristo), com direito a açoites, prisões e perseguições (II Co 11:23-28).
Porém, nesta campanha eleitoral vimos um êxodo de pastores e líderes eclesiásticos abandonando os cuidados do aprisco de Cristo para pleitear cargos em disputas político partidários, realizando um caminho inverso ao dos primeiros discípulos. Em suma, aqueles discípulos da época de Cristo e dos tempos das perseguições religiosas extremas, tinham por maior patrimônio o servir a Deus e por isso muitos perderam até mesmo suas vidas, enquanto hoje o poder e a “prosperidade” que um cargo político é capaz de proporcionar aos eleitos, fizeram com que muitos abandonassem ou negligenciassem esta mesma obra.
A pergunta que fica a respeito disso é:
“Se eles não foram suficientemente fiéis ao compromisso que um dia firmaram com Deus, para cuidar de Sua Obra, cumprindo a missão para o qual foram chamados, o que garante que eles serão fiéis ao compromisso firmado com o povo?”
Estatísticas para responder esta pergunta não faltam, basta trazermos à memória a quantidade de políticos evangélicos envolvidos em casos de corrupção na última década.
Outro ponto nesta campanha foi o crescimento absurdo do número de acordos políticos entre igrejas e candidatos, nas mais diversas categorias. Vimos por exemplo uma quantidade incrível de campanhas realizadas dentro dos templos (o que se constitui crime eleitoral, conforme a Lei Nº 9.504/97, que estabelece normas para a eleição), baseados em acordos de apoio mútuo entre líderes e candidatos, onde aqueles chegaram até mesmo a constranger e amedrontar os membros de suas igrejas sob a pena (delirante) de estarem incorrendo em maldições.
Os acordos firmados vão desde a promessa de facilitação burocrática para projetos eclesiásticos, até o compromisso de participação efetiva de membros e familiares da liderança da igreja em cargos de confiança ou mesmo de suplência. Muitas vezes os candidatos sequer professam a fé cristã e apóiam projetos contrários aos princípios do Evangelho de Cristo, sendo estes acordos apenas baseados no desejo de alcançar poder terreno, desejo este que tem tomado conta de uma parcela imensa da liderança cristã brasileira e mundial.
Por conseguinte, num terceiro ponto, foi possível observar claramente também o aumento de evangélicos dispostos a trocar seus votos por favores e doações, prática esta considerada criminosa pela lei eleitoral vigente (Lei Nº 9.840/99 - Lei da Compra de Voto) e, obviamente, contrária aos princípios cristãos.
Tive a (infeliz) oportunidade de ver irmãos trocando votos por doações de combustível, de materiais de construção, por promessas de emprego ou mesmo por considerar que a eleição de determinado candidato será benéfica para si ou para sua própria família, contrariamente ao que aprendemos no Evangelho Genuíno de Cristo, que indica que nossa preocupação deve ser também com os outros e não apenas com nós mesmos (I Co 10:24).
Não é de admirar que estas coisas estejam acontecendo cada vez mais no meio do povo cristão, uma vez que a teologia mais difundida e aceita entre as mais diversas denominações evangélicas hoje em dia é a que afirma que “nascemos para vencer”, mas conhecida como teologia do determinismo, a confissão positiva e, por conseguinte, a teologia da prosperidade, conceitos estes que deixaram aflorar perigosamente uma das mais perniciosas tendências carnais de todo ser humano, que é a avareza e o desejo de se dar bem, independentemente dos meios para os quais cheguemos ao estado de conquista.
Confiando na frase popular que afirma que “para um bom entendedor, meia palavra basta”, quero encerrar este post com uma frase que tenho repetido várias vezes entre meus amigos, apesar de saber que ela jamais se tornará um jargão evangélico, por não se tratar de algo popular ou desejoso para aqueles que são, antes de cristãos, amantes de si mesmos. É mais ou menos assim:
“Eu não nasci para vencer, eu nasci para servir... a Deus”
Por este motivo, entre outras coisas, não abandono meu chamado e meu compromisso com Deus e com Sua Palavra por cargos políticos, não faço acordos políticos espúrios, tampouco desobedeço à legislação brasileira fazendo campanha política no templo religioso e não vendo meu voto, mesmo que isso me cause algum dano.
OBS.: A minha intenção inicial era falar um pouco mais de política, no sentido didático, porém eu não resisti...
E para vocês, qual impressão ficou na relação da igreja com a política nesta eleição?
E para vocês, qual impressão ficou na relação da igreja com a política nesta eleição?
Fonte da imagem: http://igrejadelavinia.wordpress.com
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