Por Ruy Cavalcante
"Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho" (I Co 9:14).
A passagem acima, em conjunto com a frase “Digno é o trabalhador de seu salário (ou alimento)”, que se trata de uma paráfrase de trechos referentes a opressão sofrida pelo trabalhador, na lei mosaica (Lv 19:13; Dt 24:14), contextualizada por Jesus (Mt 10:10; Lc 10:7) e Paulo (I Tm 5:18), são base absoluta para alguns, no que se refere ao direito que temos de sermos ressarcidos por nosso serviço prestado à Igreja.
Façamos uma brevíssima análise dos textos.
A ideia que Paulo apresenta em I Co 9:14 é facilmente perceptível no seu contexto. Note o que ele afirma:
“Não temos nós direito de comer e de beber? Não temos nós direito de levar conosco uma mulher irmã, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas? Ou só eu e Barnabé não temos direito de deixar de trabalhar?” (cf. versos 4-6).
Observe que a reivindicação de Paulo não se refere a salário, especialmente no que tange valores financeiros, antes ele reclama o direito a liberdade que os outros cristãos possuem, de constituir família, de comer, beber, de descansar e de ter suas necessidades básicas supridas por aqueles a quem dedicava sua vida integral. É importante frisar bem: ele reivindicava o direito que os outros também possuíam!
Ao falar sobre o direito a deixar de trabalhar, Paulo assume a ideia central tratada aqui, tentando explicar que sua dedicação integral lhe dá o direito de não precisar realizar tarefas seculares para que delas tire seu sustento. A compreensão correta de toda essa passagem, bem como as que serão analisadas posteriormente é justamente sustento, não pagamento. Ser sustentado é ter suas necessidades supridas, ser pago é receber valores monetários (ou itens que possam servir de moeda de troca), de forma que deles usufrua como bem entender.
Mais a frente ele diz:
“Se outros participam deste poder sobre vós, por que não, mais justamente, nós? Mas nós não usamos deste direito; antes, suportamos tudo, para não pormos impedimento algum ao evangelho de Cristo.” (cf. verso 12).
Paulo insiste no tema, afirmando que por sua dedicação (ele inicia a falar de sua dedicação já no verso 1) ele, mais ainda do que os outros, possui direito a sustento, porém, por amor às pessoas, vem abrindo mão desse direito, para que não haja qualquer tipo de impedimento ou dificuldade para se anunciar o Evangelho. Acaba de me vir a lembrança de certo pastor, famoso, que cobrou R$ 50.000,00 apenas para pregar o evangelho em minha cidade, em 3 cultos, o que causou um total impedimento para que tais pregações ocorressem. Voltemos ao tema.
Paulo então faz a afirmação chave, nos versos 13 e 14:
“Não sabeis vós que os que administram o que é sagrado comem do que é do templo? E que os que de contínuo estão junto ao altar participam do altar? Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho”.
Fica claro assim que Paulo não reivindica direito a salário, mas que, embora abra mão, discursa sobre o seu direito de ter suas necessidades supridas pelas pessoas a quem serve continuamente, ou seja, não é um trabalho esporádico, nem dedicado a pessoas que sequer conhece, mas um trabalho integral, contínuo, dedicado a seus próprios discípulos!
Por fim, aos que ainda defendem que Paulo fala sobre o direito a receber pagamento por pregar o evangelho, ou por adorar ao Senhor, ou por dar algumas aulas bíblicas na EBD, Paulo responde com a seguinte afirmação:
“Mas eu de nenhuma destas coisas usei e não escrevi isso para que assim se faça comigo; porque melhor me fora morrer do que alguém fazer vã esta minha glória. Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim se não anunciar o evangelho!” (cf. versos 15-16).
Não me parece que ele defende a ideia de que é lícito deixar de pregar, adorar ou ensinar o Evangelho no caso de não pagarem por isso. Parece para você?
Em relação aos textos onde se diz que “Digno é o trabalhador de seu salário”, apresentados anteriormente, precisamos observar alguns pontos:
1 - Como disse, o assunto tratado em seus respectivos contextos do Velho Testamento é a opressão contra o trabalhador. Não se pode deixar de pagar o salário de quem executou um serviço contratado, nem se pode deixar de lhe suprir suas necessidades durante o tempo em que executa seu trabalho;
2 - Jesus faz uma aplicação deste conceito, uma contextualização, ordenando que seus discípulos, quando de sua jornada para anunciar a chegada do Reino, não levassem mantimentos, pois suas necessidades seriam supridas por Deus, uma vez que estariam totalmente dedicados a esta missão, não podendo se embaraçar com outras preocupações. Observe algumas diferentes traduções da expressão em questão, contida em Mateus 10:10b:
- “porque digno é o trabalhador do seu alimento” (RA, grafia brasileira);
- “porque digno é o operário do seu alimento” (RC);
- “pois o trabalhador é digno do seu sustento” (NVI);
- “pois o trabalhador tem o direito de receber o que precisa para viver” (NTLH).
Claramente Jesus, em sua contextualização, não trata de dinheiro ou pagamento por serviços prestados.
3 - Na contextualização realizada por Paulo (I Tm 5:18), apesar de usar a expressão “salário”, o próprio contexto nega essa hipótese, uma vez que desde o verso primeiro o tema central de sua mensagem é o respeito que deve ser dedicado a quem de direito, como é o caso dos anciãos e jovens cristãos (v. 1), as viúvas (v. 2), a própria família (v. 8), e os presbíteros (v. 17), onde estes merecem honra dobrada, por seu serviço prestado à comunidade eclesiástica, especialmente se nisso incluir a pregação e o ensino do Evangelho. Lembre, a duplicada honra era para todos os presbíteros, mesmo que não se dedicassem à pregação e ensino, embora quem assim procedesse seria ainda mais digno de recebê-la. Não podemos retirar o verso 17 e 18 do contexto geral da passagem, atribuindo a ele um significado financeiro quando todo o resto trata apenas de honra e respeito, não de salário ou de valores monetários.
Dessa forma, afirmo com plena convicção que, ao falar sobre "viver do evangelho", na perspectiva da graça, as Escrituras se referem a viver na dependência de Deus, seja na escassez ou na abundancia, conforme viveram os discípulos de Jesus durante a viagem missionária por ele ordenada (Mt 10), e também conforme viveu Paulo, ratificando isso ao dizer:
"Sei passar falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em todas as coisas estou experimentado, tanto em ter fartura, como em passar fome; tanto em ter abundância, como em padecer necessidade, Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (Fl 4:12-13).
Ora, “poder todas as coisas naquele que nos fortalece” não significa ter o poder ou o direito a conquistar tudo o que desejamos, mas ter a força para suportar todas as intempéries da vida, sem com isso desfalecer ou negar a fé em Jesus Cristo.
É realmente uma pena que muitos resumam toda a obra de Cristo numa simples negociação financeira...
Fonte da imagem: www.esbocosermao.com
5 Comentários
Muito bom o texto! O que acha do texto onde Paulo diz:"Pequei, porventura, humilhando-me a mim mesmo, para que vós fósseis exaltados, porque de graça vos anunciei o evangelho de Deus? Outras igrejas despojei eu para vos servir, recebendo delas salário; e quando estava presente convosco, e tinha necessidade, a ninguém fui pesado.Porque os irmãos que vieram da macedônia supriram a minha necessidade; e em tudo me guardei de vos ser pesado, e ainda me guardarei." 2 Coríntios 11:7-9 ??
ResponderExcluirPaz Nerly..
ResponderExcluirSignifica a mesma coisa, no caso citado em coríntios, o salário que ele diz receber foi para o mesmo fim, prover seu sustento de forma que ele não tivesse necessidade e ainda para que não fosse pesado a igrejas menores.. dando a entender que a igrejas que despojou, eram igrejas abastadas. Além disse, nada leva a crer que o salário que recebeu tinha fins de lucro ou que era um pagamento por serviços esporádicos...
APDSJC!
ResponderExcluirA paz do Senhor Jesus Cristo,
Bela exposição sobre o tema!
Ah! se todos fossem iguais a você!
O amor é o resumo da lei de Deus. A Bíblia diz em Mateus 22:37-40 “Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.”
Podemos mostrar o nosso amor a Deus guardando os Seus mandamentos. A Bíblia diz em 1 João 5:3 “Porque este é o amor de Deus, que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são penosos.”
Não deixe que o seu amor por Deus se enfraqueça. A Bíblia diz em Apocalipse 2:4-5 “Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; e se não, brevemente virei a ti, e removerei do seu lugar o teu candeeiro, se não te arrependeres.”
A propósito, caso ainda não esteja seguindo o meu blog, deixo o convite.
http://frutodoespirito9.blogspot.com/
Em Cristo,
***Lucy***
P.S. Convido a visitar o blog do irmão J.C. repleto de mensagens abençoadoras; algumas polêmicas, porém ricas de entendimento.
Acesse e confira:
http://discipulodecristo7.blogspot.com/
Paz Lucy, obrigado pelas palavras e pela contribuição.
ResponderExcluirVisitarei o blog com certeza, abração e que Deus te abençoe sempre.
Difícil vc ver coisas erradas e nada poder fazer pois ou estamos murmurando ou nos levantando contra o pastor.
ResponderExcluirSomente comentários ofensivos serão moderados. Discordar de mim não é pecado, então discorde à vontade.